Muitos moradores não deverão mais voltar para suas casas e outros não sabem se vão continuar por muito tempo em seus imóveis
Uma semana após o deslizamento de terra em Abaetetuba, no nordeste paraense, as 108 famílias atingidas pelo desastre ambiental vivem dias de incerteza. Muitas provavelmente não voltarão mais para seus imóveis. Outras retornaram, mas não sabem se vão continuar em suas casas. É que, dependendo da análise das autoridades, o “polígono de risco” é ampliado – como, aliás, aumentou na quinta-feira (2). Isso significa que mais moradores podem ter que sair de seus imóveis. Por causa do desastre, 477 habitantes de quatro ilhas de Abaetetuba tiveram o fornecimento de energia elétrica comprometido.
Em nota enviada na noite desta sexta-feira (3), a Equatorial Energia Pará informou “que o fornecimento de energia elétrica para os clientes das ilhas de Sirituba e Tabatinga, em Abaetetuba, região do Baixo Tocantins, está 100% normalizado desde a noite de quinta-feira (2)”.
Ainda segundo a concessionária, “as equipes técnicas da distribuidora e empresas parceiras trabalharam incansavelmente durante todos esses dias para solucionar o problema o mais breve possível”.
Para a execução dos trabalhos, as equipes realizaram as etapas de instalação dos blocos de concreto, necessários para a realização da fixação da torre, garantindo assim o lançamento dos cabos condutores, bem como a operação fluvial. Essa última teve o apoio de uma balsa com guindauto, caminhão sky e outros equipamentos que tinham como objetivo restabelecer o fornecimento de energia nas ilhas, explicou a Equatorial.
Polígono de risco
“Se não evoluir o desastre, temos tempo de fazer a retirada dessas famílias, ordenadamente. Elas vão poder tirar seus pertences, com total apoio do município e do estado. E isso nos dá a possibilidade de aumentarmos esse polígono de risco, que será ampliado conforme a necessidade e o estudo e a análise de tabelas científicas, climatológicas, geológicas e de maré”, disse o coordenador do Comitê de Sistema de Comando em Desastre, Augusto Lima.
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A área onde houve o deslizamento de terra foi ocupada de maneira desordenada, ficando o solo, composto por caroço de açaí e serragem, em contato diário com a água. “Isto permite o encharcamento daquele espaço e o deslocamento de terra”, disse o governador Helder Barbalho, que, na segunda-feira (27), esteve em Abaetetuba.
Desastre afetou famílias inteiras
Seu João dos Santos Ferreira, 84, e a esposa, Luzia Gomes Ferreira, 82, moravam há mais de 50 anos em uma casa na rua Siqueira Mendes, no bairro São João. E, de uma hora para outra, tiveram que sair da residência da família após o deslizamento de terra que ocorreu no domingo (26) e atingiu dois bairros: São João e São José, que são divididos apenas por uma rua, a Dom Pedro I. O desastre ambiental obrigou aquelas famílias a deixarem para trás suas casas. Às pressas, muitos saíram dos imóveis apenas com a roupa do corpo.
Dona Luzia se emociona ao falar da saída de casa. “Eu queria ficar lá com o meu velho”, diz, referindo-se ao marido. Eles são casados há 63 anos. Por causa de glaucoma, dona Luzia é cega do olho direito. Eles foram para a casa da filha, Valdecília Gomes Ferreira, 52 anos, manipuladora de alimentos, que mora na mesma rua. “Para eles, foi horrível. Estavam acostumados no cantinho deles”, contou.
Famílias ficaram abaladas psicologicamente após o desastre ambiental
No dia do deslocamento de terra, houve muito desespero. “Foi horrível. Eu e meu filho acudimos uma família, que atravessou um igarapé (que fica entre o rio e a rua). Eu carreguei uma criança que eu não sabia de quem era e a trouxe pra casa. Era bebê”, contou Valdecília. As casas ficavam na orla da cidade, às margens do rio Maratauíra. Uma torre de transmissão de energia tombou, deixando sem energia mais de 400 moradores de ilhas de Abaetetuba.
Antes do desastre ambiental, Valdecília convidava os pais para visitá-la. “Bora lá em casa um instante, mãe”, dizia ela. ‘Não, tô com meu aqui. Daqui não quero sair”, respondia dona Luzia Gomes. Enquanto toma um café preto, à tarde, ela se emociona.
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Nessa hora, seu João diz: “Faça igual a minha, minha velha: tenha coragem. E fé”. O desastre ambiental deixou Valdecília psicologicamente abalada. Ainda há a possiblidade de ela ter que sair de casa. “Mas, no momento, disseram pra eu ficar prestando atenção, verificar sem tem rachadura…”, contou. “Se tiver que sair, a gente vai ver pra onde vai”, contou.
Ali do lado mora a autônoma Rosimeire Quaresma Dias, 28 anos. Ele, o marido e os dois filhos residem no local há 10 anos. No início, a família foi orientada a sair de casa por estar no “polígono de risco”. A família foi para a casa da mãe de Rosimeire.
Na última segunda-feira (27), eles voltaram para a residência. “Mas a gente fica na expectativa de sair ou não. Hoje mesmo (quinta-feira), eles estavam mexendo aí (os trabalhadores que atuavam para normalizar o fornecimento de energia nas ilhas) e tava tremendo a casa”, contou.
Ela disse que ainda não é possível voltar para a rotina de antes. “Meus filhos viram tudo e ficaram nervosos. Minha filha (10 anos) fica chorando toda hora. O menino tem 3 anos”, contou. “Minha filha fica com medo de acontecer o pior e fica olhando”, contou.
No dia do deslocamento de terra, no domingo (26), às 10h30, Rosimeire estava em casa. “Essa antena (torre de transmissão de energia) começou a estalar, barulho muito forte e começou a arriar. O pessoal começou a correr e atravessar um igarapé. Foi muito desespero. Todo mundo gritando por ajuda que tava caindo mesmo. Vinha muita criança de colo”, lembrou.
“Perder tudo é muito cruel. Fica sem os pés no chão”, diz morador
Os avisos para sair do local começaram na sexta-feira, mas as famílias não tinham como sair rapidamente de suas casas. Afonso Machado da Silva, 58 anos, morava às margens do rio. Perdeu a casa e a oficina, na qual conserta barcos de motor a diesel. Só da oficina, ele calcula que o prejuízo é no valor de R$ 2 mil.
Ele, inclusive, registrou um boletim de ocorrência, onde informa que, no domingo, por volta das 9h40, começou uma erosão no limite entre os bairros São João e São José, no final da rua Dom Pedro I, “próximo à beira mar”.
Afonso afirmou que houve perda total da casa dele e da oficina. “Perdi tudo. Só de motor, foram nove”, contou ele, que residia na área há 20 anos. “Perder tudo é muito cruel. Fica sem os pés no chão. Abalado mesmo. Era de onde a gente sobrevivia. Duas motocicletas ficaram lá dentro. Foi tudo abaixo”, afirmou.
Na manhã da sexta-feira (2), Afonso e a vizinha Claudeci Rodrigues Baía, 45 anos, retornaram para o bairro São João, no qual ficavam suas residências. Das 108 famílias atingidas, apenas a de Claudeci foi para o ginásio esportivo da cidade, onde é feita a arrecadação de sapatos e de roupas para os moradores. E onde, também, ocorreu o cadastro das famílias.
“Eu morava aqui há 23 anos. Uma vida. É muito assustador e triste”, disse Claudeci. “Tivemos que abandonar nossas casas por causa da erosão. Faço um apelo às autoridades: nos ajudem como puder porque estamos precisando de um local pra morar”, contou.
“Na sexta-feira, deu o primeiro estalo. A Defesa Civil chegou lá e pediu pra gente sair logo. Porém, a gente não tinha como sair em cima da hora”, contou. No sábado e no domingo, ela saiu de casa para procurar aluguel. No domingo, a filha dela, de 24 anos, estava em casa quando houve o deslocamento de terra. E ligou para a mãe, dizendo para ela voltar para casa. “A casa não caiu, mas está bem inclinada. Não há condições de ficar mais lá”, contou. Claudeci morava na casa com o marido, a filha e a sogra na Dom Pedro I, São José. “Saímos de casa só com a vida da gente”, contou.
Saiba mais sobre o desastre ambiental:
- Deslizamento de terra ocorreu no domingo (26);
- Dois bairros atingidos: São João e São José;
- Famílias impactadas: 108. Dessas, apenas uma família foi para o ginásio esportivo da cidade. As demais foram para as casas de parentes.
- Na segunda-feira (27), um decreto publicado em edição extra do Diário Oficial do Estado (DOE) declarou uma situação de emergência no município de Abaetetuba. O decreto tem validade de 180 dias.
- Na manhã de quarta-feira (1º), o Estado também iniciou o cadastramento das famílias atingidas ao Programa “Recomeçar” O recurso, no valor de um salário mínimo (R$ 1.302,00), pago em parcela única pelo Banco do Estado do Pará (Banpará), é destinado à recomposição dos danos estruturais em moradia e/ou em bens de uso doméstico.
Por O Liberal