O terremoto de magnitude 7,8 que já provocou mais de 7.000 mortes no sudeste da Turquia e no norte da Síria pode afetar 23 milhões de pessoas na região, advertiu a OMS (Organização Mundial da Saúde) nesta terça-feira (7). Na véspera, a organização afirmou que previa um balanço de óbitos próximo de 20 mil.
Segundo Adelheid Marschang, uma diretora da entidade, cinco milhões do total de pessoas expostas já estão em situação de vulnerabilidade. Trata-se do caso de refugiados da Guerra da Síria, por exemplo, e da população local que vive em áreas urbanas e rurais afetadas por mais de uma década de conflitos.
Marschang ainda chamou a atenção para o fato de que a Síria deve necessitar de mais ajuda externa do que seu vizinho, a curto e médio prazos, em razão de sua menor capacidade de resposta —a crise humanitária no país se aprofundou ainda mais nos últimos meses, quando a população passou a conviver com escassez de combustível e eletricidade em meio a um dos invernos mais rigorosos de sua história.
Ambos os fatores, aliás, impediram temporariamente o envio de socorro da ONU para a parte noroeste do país, onde vivem dissidentes do regime de Bashar al-Assad. Quase toda a ajuda humanitária que chega à região vem da Turquia e passa por Bab al Hawa, um ponto de acesso na fronteira criado pela organização há quase uma década e que a Síria afirma que infringe sua soberania.
“Algumas rodovias foram danificadas, outras estão inacessíveis. Há questões logísticas que precisam ser resolvidas. Estamos explorando todas as nossas opções para alcançar aqueles que precisam de socorro”, afirmou uma porta-voz da ONU à agência de notícias Reuters. Antes mesmo do terremoto, a organização estimava que mais de 4 milhões das pessoas que vivem na área dependiam de doações que vinham de fora da fronteira.
Seja como for, a situação é urgente, reforçou o secretário-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Agora é uma corrida contra o tempo. A cada minuto, a cada hora que passa, diminuem as chances de encontrar sobreviventes.” Ele acrescentou que a organização está especialmente preocupada com regiões de ambas as nações que não reportaram nenhuma informação desde o tremor.
Desde o início dos trabalhos de resgate, que prosseguiram durante a madrugada sob frio, chuva e neve, o número de mortos ultrapassou a marca de 6.200 —a Turquia contabiliza 4.544 óbitos, e a Síria, 1.712, de acordo com os balanços das autoridades de Damasco e das equipes de resgate nas zonas rebeldes.
Em Genebra, o porta-voz do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), James Elder, afirmou que há suspeitas de que o terremoto tenha provocado a morte de milhares de crianças, uma vez que dezenas de escolas e hospitais, além de outros tipos de instalações, foram danificadas ou destruídas pelos impacto do sismo. O governo turco calcula que 5.775 prédios tenham colapsado, e, segundo a Unesco, ao menos quatro locais considerados Patrimônio Mundial da Humanidade foram atingidos no país.
Juntas, as nações vizinhas registram ainda quase 25 mil feridos. As condições meteorológicas na região turca da Anatólia dificultam a atuação dos bombeiros e trazem pessimismo às perspectivas de encontrar sobreviventes sob os destroços. Quem conseguiu escapar se aquecia em tendas ou fogueiras improvisadas.
Nas cidades atingidas, ginásios, escolas e mesquitas viraram abrigos aos que perderam suas casas, mas muitos preferiram passar a noite em carros com a família, com medo de novos sismos. Autoridades locais anunciaram a intenção de deslocar parte dos desabrigados a hotéis da região, um polo turístico.
Algumas províncias se queixaram, porém, de que a ajuda estatal não era suficiente. Em cidades como Malatya, também na Anatólia, e Antakya, no sudeste, parentes das vítimas eram vistos pedindo a vizinhos capacetes, martelos e cordas, enquanto os mais desesperados tentavam escavar os destroços sem equipamentos especiais ou mesmo luvas e roupas adequadas para o inverno.
O terremoto ocorrido na madrugada de segunda-feira (6) foi o mais letal na Turquia desde o tremor de 17 de agosto de 1999, que matou 17 mil pessoas. O abalo também foi sentido no Líbano, no Chipre e no Norte do Iraque. Cálculos do governo dão conta de que 13,5 milhões de pessoas foram afetadas, numa área que vai de Adana, no oeste, a Diyarbaki, no leste, e de Malatya, no norte, a Hatay, no sul.
Mortes foram registradas tão longe ao sul quanto em Hama, a cerca de cem quilômetros do epicentro do sismo. Algumas áreas do país estão sem combustível e eletricidade, e conexões de internet fracas e rodovias danificadas entre algumas das cidades mais atingidas têm dificultado os esforços das autoridades para dimensionar o impacto e planejar ações de resgate e ajuda humanitária.
O líder turco, Recep Tayyip Erdogan, decretou estado de emergência por três meses nas dez províncias afetadas pelo tremor e acrescentou que 70 países já se ofereceram para ajudar nos resgates.
Equipes estrangeiras começaram a chegar ao país nesta terça, tanto em zonas afetadas diretamente quanto nas atingidas por abalos secundários. Autoridades relataram mais de 50 réplicas dos tremores nas primeiras dez horas seguintes ao sismo inicial e alertaram que outras devem ocorrer nos próximos dias.
Um dos grupos de resgate, oriundo da França, desloca-se para Kahramanmaras, epicentro do sismo, que sofre com a neve e é conhecida como uma região de difícil acesso —as duas equipes dos Estados Unidos anunciadas por Joe Biden na véspera, com 79 socorristas cada uma, devem seguir para a mesma região.
Além deles, Rússia, Ucrânia e Israel foram alguns dos outros Estados a se prontificarem a ajudar, assim como a China, que anunciou um pacote de auxílio de US$ 5,9 milhões (R$ 30,6 milhões) a Ancara.
Uma série de países também anunciou envio de ajuda humanitária à Síria, mas sem especificar sua dimensão ou quando ela viria. O regime de Bashar al-Assad está isolado internacionalmente e é alvo de sanções —a Rússia, um de seus poucos aliados, foi um dos únicos que prometeram envio imediato de equipes de emergência, além de disponibilizar 300 tropas acampadas na região para ajudar nos resgates.
Na opinião de especialistas, a fragmentação do poder no território ocasionado pela guerra civil torna esse tipo de negociação um grande desafio diplomático, prejudicando, em última instância, a população.